Logomarca? O que é isso
No Brasil, de uns anos para cá, o termo logomarca passou a galvanizar o universo da identidade visual e muitos dos envolvidos em sua dinâmica. Nesses meios, logomarca passou a ser sinônimo de símbolo e de logotipo, designações que as primeiras gerações de designers aprenderam a usar e que ainda vale para qualquer país em que a atividade tenha atuação significativa.
Na verdade, logomarca é uma dessas criações tipicamente brasileiras que, assim como a compulsão para inventar nomes próprios, por exemplo, definiram o brasileiro como um indivíduo imaginoso, pouco afeito à convenções. No entanto, convenhamos, a capacidade de inventar, por si só, não encerra mérito nenhum. Não se vai para o paraíso só por que se é inventivo. Mesmo porque, ao que tudo indica, o diabo sempre se mostrou extremamente engenhoso.
Dar ao filho o nome de Ciliomar, do pai Otacílio e da mãe Maria; Augari, do pai Ariosto e da mãe Augusta; Auny do pai Nyvaldo e da mãe Aurea ou ainda destiná-lo a carregar pela vida afora achados engenhosos, como Odalina, anilado ao contrário, soa mais como manifestações de gosto duvidoso. Ou talvez traduza a necessidade de individuação, através do prenome, num país onde os sobrenomes de origem portuguesa são escassos e, portanto, pouco distintivos. Seja como for, o uso intensivo que vem se fazendo da palavra logomarca parece se inserir nesse contexto de compulsão criativa a qualquer preço.
Significado real
Colocada a questão nesse plano, examinemos o sentido dos termos símbolo, logotipo, logomarca e marca, para tentar definir seu verdadeiro significado com mais precisão. Símbolo Gráfico é um sinal a cujos conceitos se chega através de associações sucessivas. Símbolos Gráficos são diferentes de Signos Gráficos. O Signo Gráfico é um sinal que possui apenas um conceito ou significado. Uma seta indicativa de direção não traduz outra coisa senão a direção para a qual aponta. Já Símbolos Gráficos, como a cruz, a suástica, o símbolo da Volkswagen ou da Apple remetem a uma série de significados que se superpõem, num longo encadeamento.
A cruz remete à Jesus, à cristianismo, perseguição, martírio, cruzadas, poder religioso, Estado do Vaticano, Virgem Maria, etc. A suástica remete a nazismo, antissemitismo, Hitler, campo de concentração, participação da Alemanha na Segunda Grande Guerra, massacre, potência bélica, etc. O símbolo da Volkswagen remete à indústria alemã, qualidade, resistência, e, no caso do Brasil, à assistência técnica garantida em praticamente qualquer ponto do país. O símbolo da Apple remete à alta tecnologia, design arrojado e elegante, iPad, iPhone, Steve Jobs, etc.
Esse caráter polissêmico e aberto está na base da definição de qualquer símbolo, seja qual for sua natureza. O logotipo, por sua vez, é um símbolo constituído por uma palavra graficamente particularizada que, portanto, também gera associações sucessivas. Em design gráfico, símbolo e logotipo pertencem à mesma categoria e cumprem a mesma função através de possibilidades formais diferentes. O primeiro através de estruturas abstratas, pictogramas, ideogramas ou fonogramas. O segundo através de uma palavra à qual se confere tratamento gráfico especial, de maneira a torná-la única entre tantas. E, um ou outro, despertam associações sucessivas dado à natureza de sua estrutura.
Marca é o nome da empresa ou do produto, a designação que define uma personalidade, um conjunto de ações de comunicação junto a públicos internos e externos. O símbolo e o logotipo são formas de grafar a marca, de torná-la visualmente tangível. É comum as pessoas se referirem ao símbolo como marca. Diz-se frequentemente: a marca da Coca-Cola ou da Fiat, quando o correto seria dizer o logotipo da Coca-Cola ou da Fiat. Da mesma maneira, símbolos também são chamados de marcas e também é comum se ouvir referência à marca da Volkswagen ou da Mercedes-Benz, quando a designação correta seria símbolo, já que o primeiro é um fonograma e o segundo um símbolo abstrato.
E logomarca? Qual seria o sentido dessa genuína invenção brasileira? Logomarca quer dizer absolutamente nada. É possível que seu genial inventor estivesse, ao criá-la, querendo dar conta daquelas situações em que o núcleo da identidade visual da empresa repousa num sinal misto, no qual um símbolo e um logotipo se combinam na veiculação de uma dada imagem. O fato é que, se por acaso foi essa a origem do termo, atualmente, no Brasil, todo sinal gráfico que pretenda identificar uma empresa ou um produto, é chamado de logomarca, independente de ser símbolo, logotipo ou sinal misto.
Lógos em grego quer dizer conhecimento e também palavra. Typos quer dizer padrão ou também grafia. Portanto, grafia-da-palavra ou palavra-padrão. Agora, palavra-marca ou conhecimento-marca quer dizer o quê? Coisa nenhuma. E é espantosa a desenvoltura com que cerca de dois terços da população ligada à comunicação gráfica, no Brasil, usa e veicula essa coisa nenhuma, com a segurança de estar brandindo um termo de alto teor técnico e expressivo.
Curioso que áreas tão afeitas à moda e à terminologia usada internacionalmente para tudo o que diz respeito aos assuntos do setor, como a publicidade, o marketing e mesmo o design gráfico, desprezem as designações corretas, presentes nos artigos publicados pelas revistas especializadas do primeiro mundo. Nelas, as palavras logotype, logo ou symbol pontuam cada página, para lembrar apenas os países de língua inglesa. “Logomark” ou coisas do gênero, jamais.
Ana Luisa Escorel – designer e escritora (texto extraído da Revista Design Gráfico / ano 3 / nº 14 / páginas 52 a 54)